Transposição da nova Directiva Comunitária sobre armas é hoje tema de capa e destaque no DN
Proposta do governo que pretende limitar a 25 o número de armas na posse dos caçadores e que fixa novas regras para as ter em casa é discutida no Parlamento. Associações do setor alertam que dificultar a posse legal pode promover o comércio paralelo.
O objetivo da proposta do governo para a alteração da lei das armas é limitar o número de armas na posse das pessoas, aproveitando a transposição para a legislação nacional de uma diretiva comunitária. Mas o setor da caça e dos armeiros não concorda, com as várias associações representativas a emitirem pareceres desfavoráveis à maioria das alterações propostas, por considerarem, em geral, que vão atingir quem sabe tratar e conservar as armas. A discussão parlamentar começa na sexta-feira, 21, e os partidos estão divididos. O Bloco de Esquerda apoia a proposta mas PSD e CDS são contra, enquanto o PCP ainda não definiu.
Entre as várias alterações propostas ao Regime Jurídico das Armas e suas Munições, há duas cuja contestação é comum a armeiros, caçadores e proprietários de armas. A proposta elaborada pela secretária de Estado adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto, prevê o fim do regime de detenção de arma no domicílio e também a existência de um limite máximo de 25 armas por caçador. No texto da proposta de lei nº 154/XIII lê-se que “são estabelecidas regras mais restritivas quanto ao número de armas passíveis de serem adquiridas, de acordo com a licença detida, e às condições que devem ser asseguradas para a sua guarda, procurando evitar situações de conservação menos adequadas que estão na base de acidentes por uso indevido ou de subtração de armas de fogo”. Há várias outras alterações, que em geral até merecem a concordância de caçadores e armeiros, como as que definem que os armeiros deverão dispor de um sistema informático com ligação à PSP e que as compras e vendas de armas entre particulares dependem de um registo obrigatório numa plataforma eletrónica específica.
É no regime de detenção de arma no domicílio que reside a maior polémica. O PS já disse que aceita discutir a proposta sem ceder neste ponto. PSD e CDS estão contra pelos mesmos motivos apresentados pelas associações do setor que foram ouvidas pelo governo. Atualmente é possível tirar esta licença para manter em casa armas herdadas de familiares. É uma licença diferente da de uso e porte de arma. As pessoas têm de depositar a arma em cofre domiciliário, ou em casa-forte, caso possuam mais de 25 armas, e não podem ter munições.
A nova lei, a ser aprovada, pretende acabar com estas situações, com uma janela aberta para a posse da arma caso fique desativada. Há ainda a hipótese de a deixar à guarda da polícia ou de um armeiro. “Com esta alteração só poderá ter uma arma em casa, herdada de familiares, quem for caçador ou colecionador. Isto não beneficia em nada o mercado legal. Quanto mais se limitar a posse de armas legais mais irá aumentar o comércio ilegal”, disse ao DN Jacinto Amaro, presidente da Federação Nacional de Caça.
Os armeiros alinham pela mesma posição. “Não são estas armas que vão acabar a serem usadas no crime. É uma tomada de posição demagógica e discricionária”, afirma Fernando Seixas, presidente da Assembleia Geral da Associação de Armeiros de Portugal. Este responsável considera que as alterações prejudicam os armeiros. “O mercado vai ser invadido por armas, de forma legal ou no mercado paralelo, quando todas as semanas fecham armeiros. Quantos menos armeiros, sérios e comprometidos com a PSP, mais armas ilegais existirão”, diz o responsável.
A Associação Nacional de Proprietários Rurais (ANPC), que gere a maioria das concessões de zonas de caça turística, está igualmente contra. “É uma perseguição a pessoas idóneas que têm armas legais. O que se pretende é a entrega destas armas para destruição ou ao mercado, que está cheio”, aponta João Carvalho, secretário-geral da ANPC, para quem a proposta governamental “é uma revolução na lei das armas, com coisas da lavra deste governo, que não estão na diretiva comunitária.” As hipóteses de os proprietários destas armas as entregarem à guarda na PSP ou em armeiros não convence caçadores nem armeiros. Por um lado, implica custos e, por outro, argumentam, nem a PSP nem os armeiros estão preparados para as receber e fazer a sua manutenção.
Jacinto Amaro acrescenta que, em muitos casos, estão em causa armas antigas e “de grande valor, na ordem das dezenas de milhares de euros”. Além disso, “têm um valor sentimental e estão bem acondicionadas, em segurança”. João Carvalho critica também a proposta de lei quando esta diz que os proprietários podem ficar com as armas caso elas sejam inativadas: “Isto significa soldar parte da arma e ela nunca mais poderá ser recuperada. São obras de arte que serão destruídas. É destruir património e a herança geracional, o avô que deixa ao neto, acaba num país em que a caça é uma atividade tradicional.”
A outra medida polémica é a limitação de 25 armas por caçador, com a posse de 15 caçadeiras e dez carabinas a serem o máximo permitido. Aqui, Jacinto Amaro, da Fencaça, admite que o número é aceitável mas aponta problemas. “Os caçadores também são colecionadores e, com menos armas no mercado legal, os armeiros vão ressentir-se.” João Carvalho discorda desta limitação que se pretende impor. “As pessoas, forçadas por legislação anterior, foram obrigadas a construir casas-forte quando tinham mais de 25 armas. É uma medida absurda. Não temos grandes problemas de furtos ou de acidentes com estas armas legalizadas. É muito pior quando desaparecem armas da PSP ou em Tancos. Essas é que irão para ao mundo do crime”, comentou ao DN.
Estas três associações ouvidas pelo DN entregaram parecer no Parlamento tal como a Confederação Nacional dos Caçadores Portugueses, a Associação de Colecionadores de Armas e Munições, a Associação Portuguesa de Colecionadores de Armas, a Associação de Recriadores e Colecionadores de Armas Históricas de Portugal e a Associação Portuguesa de Colecionadores de Munições. Todas manifestam reservas às propostas avançadas pelo governo e fazem críticas.
Sexta-feira há a discussão na generalidade, o ponto de partida apenas para um processo que estas associações esperam ainda ter um desfecho diferente do inicial. “Temos esperança de que na especialidade muitas das propostas caiam e que os deputados do CDS, do PSD, do PCP e muitos do PS não apoiem este projeto”, disse Fernando Seixas.
“Esperamos que haja bom senso para resolver as coisas bem e que haja, na votação final, a capacidade de acolher estas sensibilidades da esmagadora maioria de associações do setor”, aponta João Carvalho.
Além da mudança na lei das armas, os deputados vão discutir quatro propostas para criar um novo período de entrega voluntária, sem sanções. O BE defende, em projeto de lei, uma campanha de sensibilização, a promover pelo governo, para a importância da entrega voluntária das armas e munições, dando um novo prazo: 180 dias.
O PEV apresenta uma proposta para o desarmamento da sociedade civil, que passa também por um novo período de entrega voluntária, de meio ano. O partido recorda que nos últimos cinco anos foram apreendidas pelas forças de segurança mais de 60 mil armas ilegais.
O diploma do PCP consagra a abertura de um período extraordinário de 180 dias para regularizar situações, acompanhado por uma campanha de sensibilização.
O PAN defende um novo período de 120 dias para entrega voluntária e uma campanha informativa em todo o território: “Após exame e manifesto, a requerimento do interessado, as armas ficam, se suscetíveis de serem legalizadas (…), em regime de detenção domiciliária provisória pelo período de 180 dias, devendo nesse prazo habilitar-se com a necessária licença.” Se não puderem ser legalizadas, ficam perdidas a favor do Estado.
in DN 21-12-2018
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/21-dez-2018/interior/cacadores-e-armeiros-temem-aumento-do-mercado-ilegal-de-armas-10343834.html?target=conteudo_fechado